sábado, 24 de dezembro de 2011

Poema

O que eu não disse



Eu contei que fugia com uma boneca velha pelos braços e dos consequentes embaraços. Que com três anos já sabia o alfabeto e à noite via monstros no teto. Do quanto fiz sofrer minha irmã e que tinha uma pedra brita como talismã. Dos animaizinhos que, sem querer, consegui matar e por sentir culpa, fiquei dias a rezar. Revelei a você a minha mania de mastigar papel e a azia que sinto após saborear um pastel. Que era muleca, sapeca, guapeca e fazia coisas perigosas pro meu tamanho, bem piores do que simular um banho. Contei que tenho muita vontade de fazer nada e jamais vou comer salada. Eu te alertei que, quanto mais se é “Cardoso”, mais também se é mentiroso e que saio sempre ilesa, alegando ser uma pobre adolescente indefesa. Você, inocente, achou graça, como se fosse uma coisa que passa. Eu também costumo chutar mais sapo do que usar um guardanapo. Falei que bebo demais e pedi para não contar aos meus pais. Disse que se quiser causar boa impressão comigo, vai ter que ir à missa no domingo. Que sei distinguir um livro ruim de um bom, uma música de um som. Confessei que se você não me vier com palavras mornas ou pardas, eu lhe confio todas as minhas sardas. Que levo tudo na brincadeira, mas sonho acordada com minha casa de madeira. Você já sabe do nó que não desato e da minha vontade de morar no meio do mato. Eu já falei do meu pulsar fraco e que da família, sou farinha do mesmo saco. Mas vou falar o que não sabe, antes que essa estranha coragem acabe. O que tá faltando esclarecer e que só agora resolvi dizer, é que há anos tô respirando você.

Se antes não mencionei, foi só por orgulho, eu sei.
 
Written by: Jaine Cardoso  (irmã talentosa)

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